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O centenário de Celso Furtado

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"Nunca pude compreender a existência de um problema estritamente econômico" (CF)


No dia 26 de julho deste ano, Celso Furtado, o mais conhecido economista brasileiro no país e no Exterior, estaria completando 100 anos. Ele faleceu em novembro de 2004. Não fosse a pandemia do coronavírus, o evento seria comemorado com muitas atividades nas universidades. No painel virtual promovido pelo Centro CF (https://yutu.be/kiz_AgEhTys), um jovem e talentoso pesquisador iniciou sua exposição lembrando que foi "apresentado" a Celso Furtado na minha aula, na UFSM. Isso prova que as ideias do grande mestre sobreviveram ao tempo e continuarão influenciando as futuras gerações de economistas.

Meu primeiro contato com as ideias de Celso Furtado também foi como estudante, muito tempo atrás, na graduação. Nunca esqueci o professor que inventou a palavra "trilema" para mostrar as opções do governo diante da crise do café da década de 1930: 1ª) colher o café, 2ª) deixar apodrecer no pé ou 3ª) colher e queimar a safra. Essa célebre passagem se encontra no capítulo 31 do livro Formação Econômica do Brasil, um verdadeiro clássico, e a resposta, por mais absurda que possa parecer, é a opção 3. Furtado, que escreveu este livro no final da década de 1950, aplicava o instrumental teórico da "revolução keynesiana" para explicar um caso concreto da economia brasileira.

Nessa época, disse ele, praticou-se uma política anticíclica que sequer tinha ainda sido preconizada por qualquer nação industrializada. O livro de Keynes (Teoria Geral) foi publicado em 1936 e a aceitação de sua teoria levaria muito tempo ainda para ser colocada em prática. Para se ter uma ideia da atualidade do pensamento de Furtado, basta ver que a colheita e queima do café visava preservar a renda e o consumo dos trabalhadores. Qualquer semelhança com o auxílio emergencial, na crise causada pela atual pandemia, não é mera coincidência.

No livro Análise do "Modelo" Brasileiro, escrito em Paris (1972), Furtado descreve o seu método de análise: "a partir de uma globalização, identificam-se os elementos estruturais que permitem, num sistema de corte temporal, 'reduzir' a realidade social a um sistema a que se podem aplicar os instrumentos de análise econômica". Assim, não é possível estudar o subdesenvolvimento como algo separado do avanço das economias desenvolvidas. Existe uma relação de dependência entre a periferia (países pobres) e o centro (países ricos) do sistema capitalista. No meu livro (Manual de Economia Brasileira, Editora UFSM), procurei aplicar o método de Furtado. 

Celso Furtado, apesar de analisar os vários ciclos da formação econômica do Brasil, teve como referência o atraso da nossa industrialização e a insuficiência do mercado interno. O processo concentração de renda até hoje existente, para ele, é causado pelo "efeito demonstração" - cópia dos padrões de consumo dos países desenvolvidos pelas classes ricas dos países pobres. Furtado também foi precursor do enfoque que defende que as crises da economia brasileira sempre começam pelo setor externo. A falta de divisas para importação acaba por se transformar num fator de dinamismo do setor interno, através da produção, pelas empresas locais, de bens substitutivos.

Num ambiente de polarização política como vivemos hoje, certamente Celso Furtado seria taxado como "comunista", algo que nunca existiu na prática, mas que é muito usado como ofensa. Mas não é nada disso. Existem raízes marxistas no seu pensamento, sem dúvida. Mas Furtado era avesso a qualquer "determinismo econômico". A leitura de O Capital foi apenas o ponto de partida de seu interesse pela História como objeto de estudo, o que se comprova pela leitura de sua vasta obra, de mais de 30 livros, alguns traduzidos em vários idiomas.

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